quarta-feira, 17 de março de 2010

Cinema
Aos 73 anos, Paulo José vive fase vigorosa de criação

Publicado em 16/03/2010 | Agência Estado

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Campinas - Ele foi um padre que pecou por amor, quis ter todas as mulheres, mas ficou com uma só, deu vida a um herói sem nenhum caráter, e terminou como nacionalista radical; morreu bêbado no mar da Bahia e reencarnou em artista de circo que discute a profissão com o filho em crise. Paulo José Gomez de Souza, ou simplesmente Paulo José, gaúcho de Lavras, um dos atores mais completos e complexos da cena brasileira, deu vida a todos esses personagens e a muitos outros mais.

Paulo trabalhou em teatro e televisão, mas é no cinema que se sente melhor, “em casa”, como diz. E, sentindo-se bem, foi protagonista de filmes como O Padre e a Moça (Joaquim Pedro de Andrade, 1965), Todas as Mulheres do Mundo (Domingos Oliveira, 1966), Macunaíma (Joaquim Pedro, 1969) e Policarpo Quaresma (Paulo Thiago, 1998), entre muitos outros. Agora “vive”, por assim dizer, o ébrio defunto Quincas Berro d’Água, no novo longa de Sérgio Machado, e está filmando O Palhaço sob a direção de Selton Melo, com quem contracena.

Paulo José é uma usina de força e criatividade. E de humor. Tira de letra a doença de Parkinson, com a qual convive desde o início dos anos 1990. “Ele brinca com o assunto – diz que sofre de Parkinson de diversões”, conta Selton Mello. O encontro com Paulo José se dá em Campinas, onde ele se hospeda durante as filmagens de O Palhaço.

O filme se distribui entre algumas locações da região. Uma delas, uma fazenda, cerca de 40 quilômetros fora da cidade. Outra, nos estúdios da vizinha Paulínia, onde um circo cenográfico foi montado. Mas hoje ele está de folga. E convida o jornalista para jantar num restaurante de hotel.

Conversar com Paulo é sempre algo muito agradável. Pela inteligência, pela generosidade com que se entrega às perguntas, pela maneira franca e direta como aborda qualquer assunto. Pela originalidade das respostas. Por exemplo, quando se pergunta a ele como foi interpretar um morto em Quincas Berro d’Água, relato que Sérgio Machado adaptou do conto de Jorge Amado, ele sai-se com esta: “Ora, um morto tem expressão, por isso não poderia ser substituído por um boneco, como quiseram fazer, para meu conforto.”

O caso do boneco é engraçado. A história de Quincas, se você não sabe, é a de um famoso beberrão da Bahia, que morre e é velado por seus companheiros de farra. Lá pelas tantas, já tocados pelo álcool, os amigos resolvem levar Quincas a passeio pela noite de Salvador, convencidos de que ele de fato não morreu. Está inerte apenas porque teria bebido além da conta. E lá vão eles, pelos bares e bordéis da Bahia, com o cadáver nas costas. A produção achou que um boneco substituiria o ator em boa parte das cenas. Mas Paulo não gostou. “Tudo ficou muito mecânico, artificial, e assim só usamos o boneco numa cena em que o personagem despenca do segundo andar de uma delegacia de polícia”, conta, morrendo de rir. O resultado, o público poderá conferir em abril ou maio, quando o filme entra em cartaz, talvez passando antes pelo Festival de Cannes.

Outro exercício de sutileza está sendo feito por Paulo na filmagem de O Palhaço. Ele e Selton Melo são pai e filho, ambos palhaços do Esperança, um desses circos miseráveis que vivem mambembeando pelo interior do País. Circo precário, daqueles que nem animais têm, “só os cachorros”, uma caravana tosca, que estaciona nas praças das cidadezinhas ou em fazendas que dão acolhida aos artistas. Paulo José e Selton Mello são Valdemar e Benjamim, a dupla de palhaços Puro Sangue e Pangaré, que mantém um relacionamento complicado. “O Paulo é muito doce, uma figura tão amigável que tive de insistir com ele para notar a dureza da relação entre o Valdemar, que é autoritário, e o Benjamim, um artista jovem e em crise; mas assim que ele compreendeu o papel, conseguiu uma interpretação impressionante”, diz o diretor.