terça-feira, 21 de setembro de 2010

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Picanhas, Parkinson e algumas considerações sobre a importância das coisas


por Marlon Marques * – O que é importante para você? Muitas coisas, você pode dizer. O clichê diz que o que é importante para mim pode não ser para você. Embora cada um tenha um ponto de vista e liberdade para crer nele até quando lhe seja conveniente, dou-me o direito de me apropriar de uma parte da definição de Ética. Segundo tal definição, a Ética trata do conjunto das regras de conduta consideradas como universalmente válidas. Me aproprio aqui desse “universalmente válido”, no sentido de dizer que há coisas que são universalmente mais importantes.

Usando como pano de fundo uma parábola de Esopo, a filha da cigarra pergunta a sua mãe o que é mais importante na vida; a mãe responde que é a diversão. A filha da formiga faz a mesma pergunta a sua mãe e esta lhe diz que é o trabalho. São pontos de vista diferentes e respeitáveis, e antes de trazermos à tona mais um clichê – o trabalho enobrece o homem –, e elevando o desfecho da parábola original, quero deixar claro aqui que trata-se de pontos de vista. Usando esse exemplo como metáfora, quero levantar a questão da pobreza de espírito das pessoas ao considerar certas coisas mais importantes do que outras.

O final do ano de 2009 nos presenteou com mais uma personagem efêmera da história do cotidiano brasileiro: Geisy Arruda. Esta ganhou espaço, suscitou debates com verniz intelectual, virou caso de polícia e encheu a tevê com mais banalidades. Dando uma volta pelo centro de São Paulo durante o último mês de maio, resolvi fazer um experimento perguntando para as pessoas, após mostrar-lhes fotos, quem eram aquelas pessoas. Eram Geisy Arruda e Marina Silva. A maioria das pessoas reconheceu Geisy e não soube quem era Marina. Mesmo respeitando os pontos de vista diferentes, para o futuro do país – e sem qualquer partidarismo –, o que é mais importante: saber quem é Geisy Arruda ou saber quem é Marina Silva?

Não conformado com essa pesquisa, resolvi no início de agosto fazer outro experimento. Fui até o centro de Guaianases portando duas fotografias. Com isso quis medir não apenas o que é importante para as pessoas, mas também que tipo de informação elas consomem. As fotos em questão eram a de Adenilson, o “Homem Picanha”, e Miguel Nicolelis. Dessa vez houve uma unanimidade: ninguém conheceu Miguel Nicolelis, enquanto que a maioria sabia quem era o Homem Picanha. O dito cujo ganhou fama ao invadir o clássico entre Santos e São Paulo na Vila Belmiro em 25 de julho, e aí eu pergunto em quê isso muda sua vida e no que é importante saber quem é essa pessoa?

Miguel Nicolelis é realmente um desconhecido para nós. Que eu saiba, nos últimos anos, apareceu apenas no Roda Viva e recentemente foi notícia por ter ganho um prêmio do National Institutes of Health por conta de sua pesquisas pioneiras em neurociência e áreas correlatas. Além disso, Nicolelis pode ser o único brasileiro a ganhar um prêmio Nobel – mesmo outros já tendo merecido ganhá-lo. As pesquisas do professor Nicolelis são da maior importância, desde seus estudos na direção do mal de Parkinson até as neuropróteses, que em ambos os casos já tiveram avanços em testes com cobaias animais.

De que me importa se Geisy Arruda vai a um programa de televisão arrumar namorado, de que me importa se o Homem Picanha quer divulgar seu trabalho no funk ou se Larissa Riquelme guarda o celular entre os seios? Agora, a cura do Parkinson sim, pois todo mundo que tem parentes com essa doença, especialmente pais e avós, corre o risco de desenvolvê-la. Neuropróteses também são muito importantes, pois com elas paralíticos podem voltar a andar, além da reabilitação de movimentos localizados. Nicolelis conseguiu até o momento fazer com que uma macaca chamada Aurora movesse o braço robótico apenas com a força do pensamento, além do experimento com um camundongo transgênico com o controle de sua dopamina.

Será a cura do Parkinson e da paralisia dos membros um problema universalmente relevante? Ou uma garota de vestido curto, um dançarino de funk?

* Marlon Marques é professor, historiador pela UNG, pós-graduado em Relações Internacionais pela FESP e cursou História Social na USP.

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